9.1.10

Tatuagem

Um dia desses estava a fazer nada em casa. As coisas fluíam estranhamente desde aquele dia. O cansaço, diante daquela situação, começava a me tomar e cheguei a pensar várias vezes em desistir e esquecer aquilo tudo mas sabia que não podia fazer isso, já estava intrinsecamente ligado a mim, já não havia solução. Mas naquela tarde senti uma pontada de esperança ao despertar de um sonho durante minha soneca diária. Estirei-me em um salto do sofá e pus-me de pé. Risos cuidavam para que a brilhante idéia não se esvaísse daquela cabecinha avoada enquanto aprontava-me para deixar minha casa rumo à solução para meu problema.
Subi até meu quarto, vesti meu velho casaco cinza, calcei meu All-Star sujo. Descia a escada quando me lembrei de meus cabelos. Voltei, prostei-me em breves 30 segundos em frente ao espelho, pus em Coque meus cabelos, joguei uma água no rosto e sai.
O curto caminho até o centro comercial do Bairro, que sempre me pareceu uma eternidade naquele dia encurtou-se em meio à excitação que já estava a ponto de explodir-me por dentro.
Cheguei em frente ao estabelecimento e um letreiro acima denominava o local com letras garrafais como “Studio P.H.” e logo abaixo, letras discretas informavam “Body Piercing e Tatuagem”. Naquele dia notei que nunca havia reparado na fachada daquele lugar, sempre passava por ali mas nunca fui capaz de desviar alguns segundos, se quer, o meu olhar para qualquer faixa que não pertencesse aos meus pensamentos flutuantes... Eles sempre foram mais interessantes.
Entrei no lugar, e aquele cheiro de álcool misturado com um odor típico de hospitais e clínicas odontológicas invadiu meus pulmões. Aquilo sempre me causara repugnância, minha aversão a hospitais e minha baixa afinidade com agulhas evidenciava-se em minha resistência a freqüentar esse tipo de local. Mas naquele dia minhas esperanças foram capazes de tornar falho meu apurado olfato e não senti qualquer reação ao odor inalado.
O local encontrava-se vazio e o Tatuador, apesar de examinar-me com olhos descrentes, atendeu-me. Após aquela famosa pergunta de vendedor - O que deseja? – Lhe disse:
-Estou interessada em fazer uma tatuagem...
Ele de pronto perguntou:
-Já tem idéia do desenho?
-Sim, eu quero uma borboleta...- Disse entre o sorriso esperançoso que dominava meus lábios.
E ele, me interrompendo, questionou outra vez:
- Sabe em que local do corpo será?
Eu, sentindo a explosão em meu coração cada vez mais forte, disse-lhe, enquanto disfarçava olhando para o mural de fotos ao lado da porta que dava para a sala de procedimentos:
- Quero-a em meu coração...
O Tatuador, achando estranho o pedido, virou-se para mim com uma curiosidade no olhar e sem hesitar perguntou-me:
- Toda tatuagem tem um significado, qual seria o significado para a sua?
Eu, me virei para ele e, agora, afrouxando o sorriso escondido em meus lábios, olhei em seus olhos curiosos e respondi satisfeita:
- Eu quero tatuar uma borboleta em meu coração para que ele crie asas e voe,voe...voe e se liberte, enfim, desse peito que o mantém refém.

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